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Mulheres na Logística: o perfil de duas motoristas e seus desafios nas estradas brasileiras

Publicado em 24/11/2023

Uma pesquisa da consultoria de recursos humanos Gupy de 2021 identificou uma expansão de 229% no número de vagas ocupadas por mulheres na logística; em contrapartida, a disparidade de gênero segue como uma realidade desafiadora para o setor

Por Redação


Motorista de caminhão, Janete Maria Fogaça (Foto: Divulgação)

Qual o contexto da logística brasileira quando o assunto é a geração de oportunidades para motoristas mulheres?

Em artigo recentemente publicado pela MundoLogística sobre ESG, foi destacado um paradoxo ainda presente no mercado: por um lado, é possível observar, nos últimos anos, um movimento importante das empresas em prol de uma maior diversidade nos processos de contratação de mão de obra para suas operações de Supply Chain ao redor do país.

Reforçando esse ponto, uma pesquisa da consultoria de recursos humanos Gupy de 2021 identificou uma expansão de 229% no número de vagas ocupadas por mulheres na logística. Em contrapartida, a disparidade de gênero segue como uma realidade desafiadora para o setor: segundo o mesmo levantamento, aproximadamente 71% dos postos de trabalho são ocupados exclusivamente por homens.

Mas, para ter mais clareza sobre esse cenário, buscamos entender a visão de motoristas que vivem, atualmente, a realidade de um segmento que, embora em transformação, ainda apresenta questões estruturais desafiadoras no tocante a inclusão – um dos pilares principais da tendência ESG que, aos poucos, também avança na logística.

Para tanto, conversamos com duas motoristas com perfis de carreira bastante distintos: Larissa Simoura de Souza, de 30 anos, que já possui uma carreira de 11 anos no setor; e Janete Maria Fogaça, de 40 anos, que há 1 ano começou sua trajetória nas estradas brasileiras.

Confiram os destaques da conversa na nova sessão "Papo de Motorista", vinculada a campanha "Estradas do Futuro", que contará com entrevistas periódicas com condutores!

UM SONHO DE CRIANÇA

Quando questionadas sobre o porquê decidiram seguir a carreira de motoristas, Larissa e Janete revelaram um sonho em comum que carregavam desde a infância.

"Ser motorista era o meu sonho de criança. Meu pai é caminhoneiro, então eu cresci com essa influência do “pai herói” que viajava, desbravava o país e eu achava aquela vida incrível. E quando meu pai estava em casa, eu o ajudava na manutenção do caminhão, por ser a filha mais velha. Meu pai sempre foi autônomo e cuidava do próprio caminhão. Antes de fazer um serviço fora, muitas vezes, pelas circunstâncias, nós mesmos precisamos fazer a manutenção. Então naquele “pega tal peça pra mim, aquela chave”, eu fui aprendendo, me familiarizando com as peças, mecanismos e o trabalho em si. Sempre gostei muito e comecei ajudá-lo por volta dos 12 ou 13 anos. Tenho muito orgulho, sempre quis ser motorista e nunca sequer imaginei seguir outra profissão", conta Larissa Simoura.

A motorista que, há 2 anos, atua como autônoma, explica ainda que após o fim do período provisório da CLT, já mudou a habilitação para dirigir caminhões e, natural do Espírito Santo, aos 19 anos se mudou para Santa Catarina e conseguiu seu primeiro emprego em uma transportadora. “Não havia muitas oportunidades no Espírito Santo na época e, há 11 anos, não era toda empresa que contratava uma mulher – que dirá uma mulher com 19 anos”, complementa.

Para Janete Maria Fogaça, a realização do sonho veio há pouco tempo.

“No meu caso, desde criança eu quis ser motorista. Eu me lembro de que minha família morava perto da BR 376, no Paraná, e ver toda aquela movimentação de caminhões me chamava a atenção. Eu fiquei com isso na cabeça a vida inteira e agora consegui realizar esse sonho. Na área de transportes, atuo há 3 anos: já fiz entregas em moto, carro e pequenos caminhões. Mas em 2022 mudei a categoria da minha habilitação e trabalhei durante todo o ano em uma transportadora de Rolândia, no Paraná. Mudei com minha família este ano para Araraquara e estou em busca de uma nova oportunidade", explica Janete.

A BARREIRA DO PRECONCEITO E DA SEGURANÇA

Sobre a questão dos desafios, Larissa Simoura destaca que, no caso de motoristas mulheres, o preconceito ainda é a principal barreira do mercado.

"Infelizmente, para as mulheres, ainda é mais difícil, ainda há muito preconceito. Você chega em um lugar, em uma nova empresa e a primeira coisa que você costuma ouvir é um burburinho, deboches. Ainda faz parte e é preciso ser forte, porque essa é a primeira barreira que enfrentamos", comenta Larissa. Ela explica, no entanto, que tem observado mudanças nos últimos anos – que se relacionam, inclusive, com uma busca das empresas em suprir a escassez de mão de obra.


Motorista de caminhão, Larissa Simoura (Foto: Divulgação)

"Hoje, todo estado, quase toda cidade tem uma empresa contratando mulheres e, com a mão de obra escassa, as oportunidades aumentam. Se você mostra seu serviço, se destaca, você abre portas inclusive para outras mulheres. Isso é maravilhoso. Transportadoras já me pedem indicações de mulheres e há vagas, inclusive, para motoristas sem experiência, em empresas que dão treinamento e suporte. Isso já nos ajuda a superar muitas das barreiras iniciais", diz Larissa.

Para Janete Fogaça, além do preconceito, a segurança é uma barreira desafiadora – que, muitas vezes, afasta as mulheres da realidade das estradas do Brasil.

"Nas estradas, há muitos assaltos e, pelo menos no meu caso, o temor é maior. Nunca fui assaltada, mas já houve tentativas. Então para mim, o desafio principal é a segurança. Quando você pensa que, além de cuidar do caminhão, você precisa lidar com uma violência que pode vir junto com o assédio e que ainda está muito presente, penso que isso torna a atividade de motorista, no meu entender, mais difícil para as mulheres", aponta Janete.

APOIO NAS ESTRADAS

De fato, os assaltos nas estradas brasileiras têm crescido. De acordo com um levantamento da Associação de Proteção Veicular, em 2023, o número de ocorrências de roubos e furtos de caminhões aumentou 22,5%. Para enfrentar esse cenário, uma estratégia utilizada pelas motoristas – e que, conforme explica Larissa Simoura, é importante para a segurança de todos, não só das mulheres –, é a união e a troca de informações entre os condutores nas rodovias e trechos mais perigosos.

"Os motoristas se unem, inclusive, dividindo informações sobre os horários mais seguros para trafegar nas estradas e fazendo jornadas conjuntas em trechos mais perigosos para assaltos. Sempre tive muito apoio e construí muitas amizades com meus e minhas colegas. Isso contribui muito para a sua segurança. Em vias urbanas, o risco é menor, mas em BRs em que não há um monitoramento mais adequado, esse companheirismo é fundamental", diz Larissa.  

A IMPORTÂNCIA DO SUPORTE DAS EMPRESAS

Larissa explica ainda que o trabalho das empresas é indispensável para mudanças culturais e quebras de preconceito que, aos poucos, vão ganhando força no segmento logístico nacional.

"Eu acho que as empresas, para desconstruir barreiras, preconceitos, precisam – e muitas delas já estão fazendo – construir ambientes de trabalho com normas claras de convivência, fortalecendo também uma cultura que facilite o entendimento e a importância dessas regras. Isso tem que ser feito pensando em todos: no senhor que está mais acostumado com uma realidade tradicional, para que ele se adapte às mudanças; e na mentalidade do motorista jovem, da mulher, etc.", reflete Larissa.

Nesse processo, a motorista ressalta também a importância que a estrutura das operações logísticas e ambientes empresariais exerce no acolhimento dos condutores.

"É preciso pensar na estrutura dos ambientes de trabalho: é muito bom chegar em empresas que têm um local adequado e confortável para aguardar a emissão de uma nota, ambientes compartilhados, banheiros bem cuidados, limpos, espaços de convivência. Nas empresas você troca experiências, faz amizades e isso é muito bom. É preciso pensar no caminhoneiro não só como um transportador, mas ver o lado humano, do acolhimento de homens e mulheres – isso está começando a acontecer e é muito positivo", aponta.

MUDANÇAS NO MERCADO

Janete Fogaça concorda com essa leitura sobre uma mudança no mercado para a inserção de motoristas mulheres. Ela ressalta, no entanto, que ainda há muitas diferenças entre as empresas do país em relação a essa questão.

"Até tempos atrás, o mercado ainda era muito desigual, mas melhorou bastante. Há empresas com escolas para a entrada de mulheres caminhoneiras, muito mais operadores contratando e há um reconhecimento geral de que, embora não seja necessariamente uma regra, as mulheres são prudentes no trânsito e cuidam bem de seus veículos. Está se expandindo para nós, o mercado. Por outro lado, ainda varia bastante de empresa para empresa. Já trabalhei em transportadoras que não dão suporte nenhum. Outras oferecem treinamentos, tem uma estrutura mais adequada e processos que facilitam nossa inserção", conclui Janete.

Mudar esse cenário é, por fim, uma oportunidade para as empresas que buscam, concomitantemente, contribuir para transformações culturais na logística brasileira e suprir uma demanda por colaboradoras prontas para construírem, em ambientes de trabalho mais diversos, as estradas do futuro.
 

ESTRADAS DO FUTURO

Enfrentar o desafio dos acidentes em estradas e rodovias do Brasil não é uma questão simples e, ao mesmo tempo, trata-se de uma demanda que pede urgência. De acordo com dados da CNT (Confederação Nacional de Trânsito), só em 2022, mais de 64 mil acidentes foram registrados no país — desses, 82,1% deixou vítimas, incluindo mortos e feridos. Em termos gerais, o Brasil ocupa a preocupante posição de 3º país com o maior número de mortes no trânsito, conforme relatório da OMS (Organização Mundial de Saúde). 

Para contribuir com a transformação desse cenário, a MundoLogística lançou a campanha “Estradas do Futuro”, uma iniciativa que conta com patrocínio da nstech, apoio da Onisys, da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (ABOL) e da Associação Brasileira de Logística (Abralog). Por meio da campanha, o intuito é unir os diferentes atores da cadeia logística nacional, difundindo conteúdos educacionais que tragam tanto visibilidade para a pauta da segurança no transporte rodoviário, quanto práticas e divulgação de soluções que possam colaborar com a capacitação e proteção de motoristas.

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